Reencontrando Antígona numa tarde de sábado em plena quarentena!

                 Existe uma imagem posta pelo crítico literário Antoine Campagnon (2010, p. 142) que curto muito, diz assim: "O leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos compreender o livro do que compreende si mesmo através do livro; aliás, ele não pode compreender um livro a não se compreende ele próprio graças a esse livro"
         
           O autor está levantando uma série de reflexões sobre o papel do leitor no processo literário e de como nós, leitores, ao tempo que vamos lendo estamos tentando interpretar a mensagem do autor a partir de nossas vontades e interesses, essa zona escapa ao domínio do autor que escreveu a obra. Sentimos empatia por um texto literário pelo o que está escrito nele, mas também pela  nossa leitura que investe aspectos que nos tocam e nos marcam.
     
       Algo que senti na adolescência ao ler Antígona, de Sófocles. Fiquei embasbacado pela personagem Antígona, que mulher corajosa, convicta dos seus ideais. Uma personagem forte diante de uma encalacrada injusta imposta pela Estado, sob o comando de Creonte.
           
              O tempo passou e lá vejo na minha biblioteca o livro escondido entre outros tantos. Daí resolvo tirá-lo da estante, sento-me no sofá e, num instante, encontro-me na Grécia Antiga, visualizando o drama de Antígona, ansioso pelo desfecho final da tragédia que se abate de maneira inclemente sob sua família.

             Após essa releitura , o encanto pela peça de Sófocles aumentou. Só que agora vejo com  outros olhos aspectos interessantes da narrativa. Tais como : A força da mulher na contramão do machismo dos valores preconizados na decisão de Creonte, nisto Antígona não arreda os pés de suas convicção. Nisto, gosto, particularmente, de três imagens colocadas por ela:  "de fato, não nasci para partilha ódio, mas o amor";  "e eu não amo a quem me ama só com palavras"  e "No Hades, onde tudo repousa em sono profundo, chegarei com vida"- eis o caráter de uma personagem em cena. 

            Por outro lado, constata-se como é importante relermos livros, pois nessa leitura atual deparei-me com os dramas de Creonte, que também sofre as consequências pela fala de prudência diante de sua arrogância. O desfecho trágico une os laços de ambos. Algo que tinha passado despercebida no primeiro acesso à obra.

         A estória pode servir para refletirmos que na vida é preciso que o tempo demonstre, muitas vezes, com acontecimentos trágicos, eventos que se podiam evitar, caso a prudência e a humildade fizessem parte das nossas condutas e ações.

        Eis, enfim, uma peça que gosto muito e que levarei comigo durante toda a vida, em momentos de conflitos e de tensões, Antígona e Crente são fonte de inspirações para minhas decisões e maneiras de ser e estar no mundo. 



             Outra imagem que me chamou a atenção é quando Antígona, num diálogo com Creonte,  justifica que o ato de prestar o ritual fúnebre ao seu irmão Polinices se dá pelo fato de ser um parente e não um escravo. Uma imagem que demonstra que não existe escravidão benigna, seja em que sociedade for, o ser humano que foi escravizado sempre será considerado alguém sem os mesmos direitos e a mesma dignidade dos demais membros da sociedade. 


Fonte: SÓFOCLES. Antígona. Trad. de Sueli Maria de Regino. São Paulo: Martin Claret, 2014.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria e senso comum. Trad. de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. 2º ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010. 






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