A peste, de Albert Camus!

              Nesses dias de pandemia mundial muito se tem falado sobre o aumento das vendas do livro A peste, de Albert Camus (.https://epoca.globo.com/sociedade/a-peste-de-albert-camus-vira-best-seller-em-meio-pandemia-de-coronavirus-24301383)

              Isto deve-se há vários motivos, uma delas é o tema central da peste como enrendo do romance. Camus (1913-1960) foi escritor, ensaísta, filósofo, jornalista e dramaturgo franco-argelino premiado, uma dos grandes pensadores do seu tempo. Viveu num momento turbulento da história, marcadas por grandes conflitos sociais e nisto legou-nos uma rica obra intelectual. 



           Deste autor sempre quis e quero ler o seu livro "O estrangeiro" (1942), mas aproveitei o momento para ler "A peste".  O texto em destaque  foi publicado em 1947 e informam as reportagens e sites que o texto tem um tom de alegoria a invasão nazista na França/ Paris durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945)
            Pois bem, eis um romance denso, apesar de curto é um obra permeada de reflexões existenciais, é uma narrativa em que o enredo e a filosofia ( num tom existencialista) misturam-se. Algo perceptível nas belas orações e parágrafos construídos em que a cada página dá vontade de anotar e depois utilizar em outro espaço. É a força do pensamento presente em meio à narrativa literária, em outros termos, a linguagem a serviço não apenas para contar uma boa história, mas para levantar indagações sobre a nossa maneira de ser e estar no mundo. 
               A história desenvolve-se em torno de uma peste que surge na cidade de Oran, onde o médico Rieux será o ponto de vista do narrador. É a partir de suas observações que teremos os relatos de como aconteceu esta epidemia. Ah, não posso esquecer de mencionar que a peste em Oran foi disseminado pelos ratos, aliás, os primeiros a serem sucumbidos pelo flagelo.
          O  narrador constantemente conversa com o leitor informando-o dos cuidados com a veracidade dos fatos narrados. Isto é algo que chama a atenção, uma vez que o efeito esperado é que o leitor encare a "estória" como algo que aconteceu ou, melhor, pode-se-ia acontecer a qualquer momento.
             O médico Rieux no momento do surgimento da peste encontra-se em Oran, sem sua esposa, que viaja para trata de sua saúde ao tempo que recebe sua mãe para morar com ele enquanto a pandemia encontra-se presente na cidade. 
            As observações da voz narrativa sobre o dia a dia da cidade de Oran, os sentimentos dos indivíduos, os efeitos e perspectivas da peste são tratadas de maneiras distantes e reflexivas. Pois vejamos um trecho:

               Os homens e as mulheres ou se devoram rapidamente, no que se convencionou chamar ato de amor, ou se entregam a um longo hábito a dois. Isso tampouco é original. Em Oran, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, somos obrigados a amar sem saber.

              E como se o advento da peste fosse um momento para repensarmos os nossos atos diários, assim como o da cidade. Para também refletir como encaramos estes momentos incontornáveis da existência individual e social. Conforme colocado pelo narrador:

              Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.

                 Algo interessante posto pelo narrador é de como a peste, por questões óbvias, atingiu em sua grande maiorias as pessoas que viviam em espaços de coletividades e de como é duro para muitos vivencia a experiência da solidão, algo  inerente à existência humana. 
                Sobre o estilista da elaboração de  belas frases, orações e períodos , eis dois exemplos, entre tantos, primeiro quando seu amigo Tarreu morre,  eis a maneira como é descrito: 

            Tarrou encostar-se bruscamente na parede e expirar, num lamento surdo, como se em qualquer parte dentro dele uma corda essencial se tivesse rompido.

              O outro exemplo é no momento em que a peste dá sinais de que está se esvaindo e encontra-se assim:

               E essa expectativa, essa vigília silenciosa, situada entre a agonia e o júbilo, parecia-lhes ainda mais cruel, em meio ao regozijo geral.



              Desta maneira ( nestas rasas observações, uma vez tratar-se de um romance complexo),  fica  o vaticínio  de que as tragédias coletivas, como guerras e as pestes,  ressurgem no processo da história e de que logo após o momento de trauma, não podemos cair numa euforia desmedida, ao contrário,  temos que estarmos vigilantes para que os erros não sejam repetidos e de que não sejamos negligentes diante dessa questão. E assim diz o narrador: 

                Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz. 

            Após ler a obra e fazer as minhas observações e tentando conectar com aspectos do momentos em que estamos atravessando a partir dos impactos da COVID-19, constatei que o mérito do romance "A peste" para tal questão, deve-se a importância de encararmos este período como possibilidade de revermos dados do mundo em que vivemos. Sobretudo, redimensionarmos nossas atitudes individuais diante da vida e de seus aspectos iniludíveis, como  as tragédias presentes na disseminação desse vírus invisível, que tanto revela as iniquidades da nossa sociedade, assim como apontar brechas daquilo que temos de bom. E são essas fendas de esperanças que precisamos esgarçar para enfrentarmos essa turbulência.
          A pandemia atual aponta de maneira inclemente para todos os habitantes do mundo  de que nossa jornada na terra é a mesma para todos e de que moramos numa mesma casa. Isto é uma verdade incômoda e inconveniente, principalmente numa sociedade capitalista marcada pela desigualdade social e simbólica entre pessoas, países e sociedade. 
        A partir desta premissa exige-se responsabilidade de todos para fazermos os enfrentamentos necessários com discernimento e coragem, principalmente no Brasil, onde o presidente Bolsonaro e sua caterva de energúmenos são  os propagadores da morte e da desinformação.  Como bem afirmou Albert Camus, em trecho do seu conhecido discurso:

Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer.” (Discurso do Nobel, em 1957, Albert Camus)


Observações: Tive acesso à obra em versão PDF, que se encontra disponível para baixar em vários sites, basta pesquisar no google.  O autor e a obra é bastante estudada e sendo assim é fácil encontrar muitos estudos sobre o romance em destaque. Aqui são apenas observações iniciais de uma leitura, são impressões  ligeiras e rasas de um leitor que gostou muito do romance.

Mas eis uma bela fonte de pesquisa: http://htnadequada.com/filosofos/camus/tps://razaoi

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