A ESPERA À LUZ DE “O DESERTO DOS TÁTAROS” E DA COVID-19


        A  COVID-19 impôs a boa parte da população mundial o hábito de ficar em casa, o distanciamento social. E para aqueles que buscam seguir tais procedimentos da melhor forma possível, como o autor que vos escreve, resta acompanhar as reportagens veiculadas pela TV e sites em torno da evolução do vírus no Brasil e no mundo. Além, é claro, de assistir abismado a trágica e irresponsável propagação de fake news e a vergonhosa repercussão de comentários absurdos, proferidos justamente por quem deveria conduzir com sensatez e responsabilidade os rumos do país neste momento tão turbulento.
E nisto ficamos em ritmo de espera, pensando... Nosso país conseguirá passar rapidamente por essa pandemia ou iremos ultrapassar os números assustadores de outros países? Será que teremos uma tragédia semelhante à dos Estados Unidos?
Ao visualizarmos os vários casos relatados pela mídia, nos indagamos: Serei atingido por esse vírus em algum momento? E a minha família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho? Os cuidados redobrados que estamos tomando com a nossa higiene terão resultados efetivos ou serão esforços em vão?
De maneira mais trágica, embora silenciosamente, também cogitamos a possibilidade de escaparmos ou sermos mais um caso fatal que entrará para as estatísticas, se formos contaminados pelo temível coronavírus. Como se fossemos apenas números, ironicamente, sem valor.
Tais perguntas e anseios fizeram-me lembrar do livro “O deserto dos tártaros”, do escritor Dino Buzzati, um dos grandes romances da literatura italiana. Na obra, acompanhamos a trajetória de vida do soldado Giovanni Drogo, que vai servir no Forte Bastiani, um espaço localizado próximo a um deserto de onde espera-se a vinda dos Tártaros e uma grande batalha. Mas, os anos passam de maneira inclemente e tal momento nunca acontece, apesar de todos os dias serem de preparação para o aguardado instante. No entanto, a rotina torna-se tão impregnada na vida de Giovanni, que ele resolve definitivamente ficar no forte, mesmo tendo a oportunidade de sair. Sua vida segue no ritmo de uma constante espera.
E assim como Giovanni Drogo, ficamos no aguardo dessa batalha, não contra outros povos, mas sim contra um inimigo invisível. Este nos encalacrou e vem relevando nossas mazelas sociais da maneira mais nítida possível, como também deixou nu o Deus Mercado (neoliberalismo), ao mostrar que não é por meio dele que devemos esperar soluções para as consequências econômicas e sociais da COVID-19. Esta faz-nos lembrar o final do romance “A peste”, de Albert Camus, no qual fica o prenúncio de que flagelos como estes não são os primeiros e muito menos desaparecem para sempre no horizonte futuro da experiência humana. O coronavírus, que há muito tempo existe e ressurge renovado, veio para desvelar que o melhor tratamento será a desconstrução do nosso perverso sistema econômico, sustentado pela força de trabalho e exploração daqueles que são as vítimas potenciais dessa pandemia.
Acredito que, após essa experiência social e individual forçada, estaremos tão impregnados desses novos hábitos e rotinas que teremos dificuldade de nos desvencilharmos deles. Além disso, espero que em nossas mentes fique a dura lição aprendida: os grandes inimigos da sociedade são aqueles visíveis aos nossos olhos.  




   E vamos continuar nas nossas casas, assim como no forte bastiane,  na espera!





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