UBUNTU: EDUCAÇÃO, ALTERIDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

APRESENTAÇÃO 

Esta coletânea se configura como um espaço valioso de integração entre movimento social e universidade. Trata-se de uma obra capitaneada pelo Movimento Negro de Campina Grande em parceria com acadêmicos de universidades públicas e pesquisadores da temática. De certo modo, este trabalho dialoga com o curso de especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais, da Universidade Federal de Campina Grande, posto que alguns dos autores desta obra encontram-se ou já estiveram vinculados a esse relevante espaço acadêmico. 

As determinações e orientações para o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena trouxeram uma série de desafios para os profissionais da educação no Brasil, especialmente, no que se refere as questões voltadas para as relações étnico-raciais. Após a implantação das Leis 10.639/03 e 11.645/08, aumentou o interesse pela aludida temática e, dessa forma, ampliaram-se as publicações de livros, bem como estudos e núcleos de pesquisa em torno dela. No entanto, o ensino direcionado para as relações étnicoraciais está longe de ser satisfatório.

 Este ponto é um dos grandes entraves no tocante a essas leis, tendo em vista que já se passaram alguns anos de sua implementação e, ainda hoje, o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena realiza-se de forma pontual e superficial. Também é comum que as imagens e representações reportadas sobre o assunto mantenham certa reprodução de estereótipos em relação a esses grupos étnicos. Muitas vezes, tais questões são reforçadas e disseminadas pela 12 mídia e, até mesmo, em sala de aula, tornando-se um constante desafio abordá-las e redimensioná-las no ambiente escolar. Sendo assim, este espaço de reflexão foi pensado carinhosamente como subsídio didático para profissionais da educação básica, estudantes de cursos de licenciaturas e demais interessados no assunto. 

Os artigos aqui apresentados buscam contribuir para a construção de um processo educacional pautado nas relações étnico-raciais. Vale ressaltar que este livro vem à tona em um delicado período da história do Brasil, marcado por fortes tensões sociais e plena ascensão de forças conservadoras, que compelem duros golpes ao processo democrático. 

Não obstante, o cenário de violência e desrespeito à dignidade humana do povo brasileiro faz-se presente há décadas no país. Nesse panorama, justificamos nossa escolha quanto à utilização do conceito filosófico africano “Ubuntu” como título e fio condutor dos nossos textos. Esta perspectiva pode ser compreendida como a percepção de que só existimos através do contato com o outro, na medida em que “uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”. Logo, Ubuntu renova a necessidade de (re)pensarmos nossa relação com o outro e de sentirmos que somos afetados quando nossos semelhantes são ofendidos e humilhados. 


Estão presentes aqui textos que apresentam múltiplas perspectivas, entretanto, a reflexão em torno do processo de ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena perpassa todos eles. No primeiro artigo, o historiador Gervácio Batista Aranha estabelece reflexões em torno do escritor Lima Barreto e da literatura afrodescendente no Brasil. O referido autor 13 demonstra, a partir da análise de um romance e um conto de Barreto, traços do “racismo à brasileira”, além da crítica do renomado autor quanto a essa questão. Assim sendo, Aranha demonstra como esse importante ficcionista pode ser lido enquanto um dos precursores dessa manifestação literária e utilizado por leitores e pesquisadores interessados pela temática. 

A poesia afro-brasileira também foi contemplada por meio do artigo dos autores Ariosvalber de Souza Oliveira e Moisés Alves da Silva. Ao analisar alguns poemas de Conceição Evaristo e de Oliveira Silveira, os autores refletem sobre a poética negra e estabelecem os usos dela em sala de aula como uma possibilidade didática, atendendo as indicações preconizadas pela Lei 10.639/03. 

Na esteira das discussões em torno do mundo virtual, a pesquisadora Maria Aparecida dos Reis apresenta reflexões sobre os usos da internet e das tecnologias digitais pelos jovens na atualidade e demonstra que redes sociais, como o Facebook, podem se tornar grandes aliadas no processo de uma educação para as relações étnico-raciais. 

Por sua vez, os historiadores Viviane Kate Pereira e João Marcos Leitão analisam interessantes aspectos sobre o fascinante site Índio Educa, demonstrando como esse espaço virtual de aprendizagem pode ser uma importante fonte de pesquisa para o educador elaborar atividades didáticas e desenvolver metodologias relativas à história e à cultura dos povos indígenas no Brasil. Ainda em relação à temática indígena, a partir de uma experiência didática em torno da morte e dos rituais fúnebres dos povos Tapuias, a historiadora Elisabeth Barros Nascimento Siqueira traz algumas ponderações acerca 14 da possibilidade de se abordar um tema tão delicado como esse no espaço escolar. 

Logo em seguida, o geógrafo Paulo Sérgio Cunha Farias nos brinda com uma série de reflexões em torno de como algumas formulações produzidas pela Cartografia e pela Ciência Geográfica contribuíram para a construção de um olhar negativo e preconceituoso da Europa, no que concerne à África e aos seus habitantes. Tais elaborações simbólicas hierarquizadoras serviram para afirmar a supremacia geopolítica de nações europeias em diferentes momentos da história. 

Já o historiador Ariosvalber de Souza Oliveira, em defesa da importância de se estudar pensadores negros pouco conhecidos, estabeleceu uma análise sobre a trajetória de vida e as contribuições do intelectual brasileiro Manuel Querino no debate acerca do papel do negro e da mestiçagem no processo de formação histórica do Brasil. 

As historiadoras Solange Pereira da Rocha e Gisleandra Barros de Freitas apresentam trajetórias de vida de mulheres negras livres, na Paraíba oitocentista, e sugerem ao final do texto uma proposta de atividade didática que pode ser desenvolvida no espaço da sala de aula em atenção à Lei 10.639/03, a partir de uma leitura dessas personagens históricas. O estudo realizado pelo historiador Josemir Camilo problematiza os conceitos de “negro” e de “quilombola”, demonstrando como estes termos foram construídos por meio de valores que se ressignificaram com o passar do tempo. Desse modo, estabelece os interesses e as disputas que sedimentam a continuidade e descontinuidade da semântica dos discursos.

 Por sua vez, o historiador José Benjamim Montenegro analisa o conto “Bocatorta”, de Monteiro Lobato, indicando 15 traços de racismo nessa narrativa e demonstrando que o aludido escritor, tão importante para a literatura infanto-juvenil brasileira, era adepto de teorias raciais e eugenistas do seu tempo. No artigo seguinte, a socióloga Cristiane Nepomuceno traz observações pontuais sobre traços de resistência e de memória das culturas africanas nas manifestações dos maracatus e, também, indica algumas características e diferenças presentes nas várias formas dos maracatus e como estes podem servir para refletir sobre as relações étnico-raciais. 

No tocante à religiosidade, o antropólogo e sociólogo moçambicano Luís Tomás Domingos nos leva a conhecer aspectos das complexidades em torno de um dos mais controversos orixás, Exu. Ao estabelecer um profícuo estudo, subsidiado em uma diversa bibliografia temática, o autor busca promover uma melhor compreensão das religiões afro-brasileiras e de suas influências africanas. 

E, por fim, os historiadores José Pereira de Souza Junior e Joelma Maria Bento de Araújo elaboraram um artigo em torno de perfis biográficos da escritora Carolina Maria de Jesus e da artista Tia Ciata que, mesmo diante de uma sociedade marcada pelo machismo e racismo, se destacaram na história e na cultura brasileira. 

Acreditamos que esta coletânea vem contribuir no processo de uma educação inclusiva e emancipadora, visto que o indígena e o negro não podem continuar sendo identificados e ensinados meramente como o “outro”. Na nossa perspectiva, estes são parte integrante de nós mesmos, das nossas vidas, parte constitutiva de nossa formação histórica e cultural, pois herdamos esta história e ela está presente no nosso dia a dia, no que fomos e somos enquanto indivíduos e sociedade. 16 Desta maneira, convidamos os(as) leitores(as) para compartilhar das ideias, apontamentos e conhecimentos trazidos pelos artigos aqui presentes. 

Traduzindo o provérbio africano Umuntu Ngumuntu Ngabantu, “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”. Isso é Ubuntu! 

Ariosvalber de Souza Oliveira,  Campina Grande, setembro de 2016

O livro em destaque encontra-se disponível na internet para download. 

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