Nas confluências do Axé

INTRODUÇÃO 


Este livro nasceu de uma vigorosa parceria entre o Movimento Negro de Campina Grande e a Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais, oferecida pela Unidade Acadêmica de História, da Universidade Federal de Campina Grande-PB. O referido curso de Pós-Graduação lato sensu tem sido realizado por meio de programa da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e se destina a professores, gestores e a diversos sujeitos ligados aos movimentos sociais, a fim de que se possa formar pessoal para trabalhar em uma proposta de educação inclusiva no que se refere às temáticas étnico-raciais. 

Nesse sentido, pensamos em publicar esta coletânea de textos como forma de oferecer mais uma contribuição bibliográfica que dialogue com as Leis 10.639/03 e 11.645/08, e que possa, sobretudo, chegar às mãos dos profissionais que atuam na Educação Básica. Abordar a História e Cultura afro-Brasileira e Indígena é um desafio constante tanto para eles quanto para gestores municipais de educação, gestores escolares, lideranças comunitárias e muitos outros que se interessam pela temática. 

Os artigos aqui apresentados foram escritos por mãos de intelectuais engajados, que fazem um trânsito político muito importante entre a universidade e os movimentos sociais. Por isso, além da qualidade do conteúdo e da beleza estilística ilustrada 12 pela caligrafia textual desses autores, igualmente válido é a textura politizada que enquadra a obra, pois o momento no qual vivemos tem apontado para retrocessos políticos que não são concebíveis após trinta anos de redemocratização. Os textos trazem múltiplos olhares sobre a temática em questão, embora, deságuem numa mesma confluência: as relações étnico-raciais. Serão apresentadas perspectivas que apontam “novos” redimensionamentos e possibilidades para os educadores refletirem sobre o assunto. 

Logo no primeiro artigo, assinado pelo historiador Ariosvalber de Souza Oliveira, o livro começa abordando a importância de se refletir sobre o ensino da História e Cultura da África, enfatizando as riquezas e complexidades que envolvem tal temática. Em seguida, nos deparamos com um texto desenvolvido pelo antropólogo e sociólogo moçambicano Luís Tomás Domingos. O autor nos leva a conhecer aspectos interessantes sobre o processo de cura da medicina africana tradicional que está intrinsecamente ligada à dimensão religiosa dos povos desse continente. 

Ainda na esteira da discussão sobre religiosidade, somos brindados com uma bela pesquisa histórica elaborada pelo historiador José Luciano de Queiroz Aires que aborda o processo de perseguição das religiões afro-ameríndias na Paraíba, instituído pelos órgãos oficiais de segurança pública e pelos discursos científicos do período de 1919- 1940.

 O artigo da pesquisadora Maria Aparecida dos Reis analisa, de forma inovadora e sugestiva, as identidades negras produzidas no meio virtual. A autora demonstra categoricamente que as redes 13 sociais – locais interativos e dinâmicos que fazem parte do dia a dia, tanto de alunos quanto de educadores – são espaços sociocomunicativos importantes para se (re)pensar as relações étnicoraciais em nossa sociedade. Em seguida, o historiador Gervácio Batista Aranha estabelece uma arguta análise do livro “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado, chamando a atenção para aspectos do racismo e antirracismo na obra amadiana. Há de se destacar neste artigo a inovadora leitura relativa à “democracia racial”, termo supostamente sugerido pelo clássico “Casa Grande & Senzala”, do sociólogo Gilberto Freyre. Os historiadores Elio Flores e Solange Rocha analisam a trajetória de vida de três intelectuais negros paraibanos (Manuel Pedro Cardoso Vieira, Eliseu Elias César e Perilo D’Oliveira). Por meio de seu estudo, os autores constroem e nos apresentam interessantes perfis biográficos destes homens, mostrando que tal trabalho de pesquisa pode ser igualmente desenvolvido no contexto escolar, em consonância com a Lei 10.639/03.


 No artigo posterior, o futebol, um dos esportes mais praticados e almejados no Brasil, também se torna objeto de análise neste livro. O estudo, realizado pelo historiador José Pereira de Sousa Junior, levanta reflexões interessantes sobre o racismo e o futebol, demonstrando que as relações étnico-raciais no nosso país também podem ser analisadas a partir das experiências sugeridas por essa prática esportiva. Os desafios e possibilidades de se desenvolver uma educação inclusiva voltada para as relações étnico-raciais é tema do artigo da historiadora Eleonora Félix da Silva, que indica uma série de incursões sobre os documentos norteadores das Leis 10.639/03 e 11.645/08. A autora aponta ainda para os cuidados e olhares críticos no tocante as abordagens e usos dos livros didáticos no espaço escolar. 

Por fim, Ariosvalber de Souza Oliveira e Moisés Alves da Silva assinam o último artigo desta coletânea. O texto demonstra a possibilidade de se trabalhar a Lei 10.639/03 por meio de narrativas literárias, entendidas como um valioso recurso didático, no processo de ensino da História e Cultura Africana. Para tanto, os autores estabelecem uma análise sobre as literaturas africanas a partir do romance “O mundo se despedaça”, do escritor nigeriano Chinua Achebe. 

Vale salientar que esta obra não poderia deixar de ser lançada em momento tão delicado da história brasileira. Período este marcado pela violência, intolerância e extremo desrespeito em relação ao outro. Em virtude disso, acreditamos que essa coletânea está além da dimensão meramente didática e esperamos que a mesma possa levar a um melhor entendimento sobre as (delicadas) relações étnico-raciais em nossa sociedade. Fazer política cultural é a arma central deste livro. Olhar o passado com uma retina cognitiva e atirar no presente-futuro com o olho arregalado para o exercício da cidadania. 

Desta forma, convidamos os/as leitores/as a navegar nas confluências de ideias e possibilidades de conhecimentos trazidas nos textos que compõem o presente trabalho.




 Desejamos a todos muito Axé! Ariosvalber de Souza Oliveira , Campina Grande, outubro de 2015



O livro encontra-se disponível para download. É só pesquisa no google ou no site do CCTA/UFPB. 



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