O sonho de liberdade de um notável Celta!


 Mario Vargas Llosa foi agraciado com o prêmio nobel de literatura em 2010. O escritor peruano tem uma vasta produção literária. Ele surge na segunda metade do século XX, no boom da literatura latino -americana, que teve muitos expoentes, tais como Gabriel Garcia Marques, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, entre outros tantos.  

Dele li com entusiasmo o livro "A verdade das Mentiras" (2004), trata-se de uma série de ensaios sobre escritores e obras literárias. Para quem ama literatura ter acesso a textos de grandes autores sobre literatura é um deleite. Mantenho uma antiga paquera com seu romance  "A festa do bode", obra em que desnuda os desatinos da ditadura do General Rafael Leonidas  Trujillo (2000) na República Dominicana. Creio que um dia vou ler e confirmar esse encontro. 





No belo romance histórico "O Sonho do Celta" (2001),  Vargas Llosa narra a trajetória de vida do irlandês Roger Casement (1864 - 1916). Um personagem interessantíssimo. 

Pois bem, vejamos: Irlandês a serviço do Império Britânico vai conhecer o dito projeto civilizatório do Império em terras africanas e na América do Sul, no entanto, o que constatou foi um projeto brutal de exploração e abusos à dignidade humana. 

Em especial no Congo belga e na Amazônia, principalmente na região peruana, Casement depara-se com toda crueldade do projeto de exploração dos britânicos nessas terras. Roger relata e publica informações sobre o cenário de brutalidade e genocídio que encontrou nessas regiões. Suas denúncias são bem acolhidas pela opinião pública inglesa e europeia. Dessa forma recebe várias condecorações e menções honrosas. 

Por sua vez, Casement se volta contra o Império Britânico e se alia ao movimento de resistência e luta pela independência da Irlanda, então acontece uma reviravolta na sua vida: de herói incontestável passa a ser um terrível vilão. Preso por traição ao Império  e humilhado publicamente pelo fato de ser gay, até trechos de seus diários foram revelados, dados relevantes para a sociedade da época.  Logo, Roger Casement  foi condenado à pena capital: morte por enforcamento.  






A extraordinária vida do Celta e do seu sonho pode servir para refletirmos sobre a brutalidade do projeto do neocolonialismo na África e das consequências, na vida pessoal, daqueles que se levantam contra forças poderosas. Mesmo que as causas sejam justas, os desdobramentos  são brutais, na História e na Literatura tem-se uma série de exemplos emblemáticos. 




Passagem magnifica sobre os momentos finais de Roger Casement, em que preso esperava a qualquer momento ser levado para a forca. O narrador demonstra nesse parágrafo o que faz um escritor ser diferenciado no estilo e na engenhosidade poética da narrativa. Temos imagens de momentos que permeiam momentos de angústias , em que o tempo torna-se algo sentido de maneira mais intensa e complexa, imaginemos isto horas antes da própria morte... A narrativa literária consegue captar tais  sensações, pois a literatura é a coisa mais próxima da vida, como bem defende o crítico literário James Wood ( 2017)

"O sonho continuou por um bom tempo, mas ao acordar, ainda na escuridão, alguns minutos ou hora depois, Roger não se lembrava do desenlace. Não saber as horas deixou-o angustiado outra vez. Às vezes se esquecia disso, mas qualquer inquietação, dúvida ou aflição fazia a aguda ansiedade de não saber o momento do dia ou a noite se achava lhe apertar o coração, com a sensação de ter sido expulso do tempo, de viver num limbo onde não existiam o antes, o agora nem o depois"  ( LLOSA, 2011, p. 315).


Fonte: O sonho do celta. Trad. de Paulina Wacht e Ari Roitman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
WOOD, James.  A coisa mais próxima da vida. Trad. de Célia Euvaldo. São Paulo: Sesi, 2017.

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