Uma temporada de facões: relatos do genocídio em Ruanda

Eis um livro tenso, duro, inclemente, amargo, entretanto, necessário. Trata-se de "Uma temporada de facões: relatos do genocídio em Ruanda"(2005), do jornalista Jean Hatzfeld. A obra é fruto de um trabalho jornalistico em torno do genocídio de Ruanda, onde, no ano de 1994, foram mortos mais de 800 mil pessoas em doze semanas. Após a derrubada do avião do presidente Juvénal Habyarimana (um Hutu), os Hútus, maioria étnica do país, emprenderam uma horrenda matança contra os Tútsis. O facão foi o principal instrumento utilizado no assassinato de milhares de Tútsis, entre eles,crianças, idosos, homens e mulheres; daí o titulo da obra.

O autor noutro livro trouxe à tona os relatos das vítimas desta tragédia, já neste trabalho ele estabelece longas entrevistas com dez assassinos da região das colinas de Naymata,onde foram mortos mais de 50 mil Tútsis, são eles: Pio, Fulgence, Pancrase, Jean-baptista, Élie, Adalbert, Ignace, Léopord,, Alphonse e Joseph-désire.



Ao mesmo tempo, o texto traz uma série de reflexões sobre as lógicas complexas que subsidia e legitima um genocídio, em outros termos, o extermínio planejado a um determinado grupo social, étnico ou religioso. Nessas passagens estão as melhores partes do trabalho, quando o autor estabelece conexões com outras experiências de genocídios no mundo, como o sofrido pelos os judeus, na Alemanha nazista.

Tais dados são confrontados com depoimentos de pessoas comuns e pacatas que de uma hora pra outra se tornam assassinos brutais de vizinhos, colegas de trabalho e de futebol. Sem nenhum remorso, nas quais tais ações se banalizam a uma atividade diária e necessária. Não é à toa que tal pesquisa foi laureada com algumas premiações, tendo em vista que ela toca num espectro sempre presente em muitas sociedades, principalmente em tempos de crises econômicas e sociais, a utilização de grupos sociais enquanto bodes expiatórios para justificar a causa do mal e do atraso.

"A verdadeira primeira vez, que me deixou uma lembrança duradoura, foi quando matei duas crianças [...] Para mim, foi curioso ver as crianças caírem sem barulho. Era quase agradável de tão fácil" ( Depoimento de Adalbert, 2005, p.35)

" Durante as matanças, não considerava mais nada de particular numa pessoa tútsi, a não ser que ela devia ser eliminada" ( Depoimento de Léopord, 2005,p.61);

" Ninguém nunca escreverá todas as verdades ordenadas dessa tragédia misteriosa; nem os professores de Kingali e da Europa, nem os círculos intelectuais e políticos. Qualquer explicação terá falhas, de um lado ou de outro, como uma mesa capenga. Um genocídio não é uma erva daninha que cresce sobre duas ou três raízes, mas sobre um nó de raízes que morfaram debaixo da terra sem ninguém saber" ( Claudine, 21 anos, sobrevivente - 2005, p.105)


Fonte: HATZFELD, Jean. Temporadas de Facão. Trad. de Rosa Freire d' Aguiar  São Paulo: Companhia das letras, 2005


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